Despir o nu (2014) - Suzane Lopes


Falar sobre a obra de Suzane Lopes exige que me desnuda de toda roupagem inautêntica, porque esta obra se funde aonde a poesia e a filosofia chega a seu ápice, que é na alegorização. Não é nada fácil apontar a realidade como símbolo alegórico, porque a alegoria sempre quer dizer outra coisa.

Se o traçar do destino atormenta e vaticina a história, nem tudo ainda está acabado, resta ainda despir o nu. Quando os deuses prenunciaram a infelicidade de Édipo, restou a ele furar os olhos. De certo modo o vazar os olhos é despir o nu, é enxergar o não visto pelos olhos carnais.

A ação é pré-traçada só enquanto não se há consciência do ato, por isso as Moîras na mitologia grega são filhas da Noite. O cabelo que vai se traçando a tudo tem o sentido da complexidade da inconsciência. O destino não é totalmente irreversível, mas quando é despido, conscientizado, tem um preço a se pagar.

O preço a se pagar pela busca da independência de Rapunzel é a cegueira do amado, que fere os olhos no espinho e os próprios cabelos cortados pela Bruxa. Não é à toa que no conto de Rapunzel o cabelo é o que seduz o príncipe a subir a torre. O que é entrelaçado é tecido por cima de algo na sua nudez. Despir o nu é então subtrair a roupa que foi acrescentada, no caso o aprisionamento, e a nudez é a liberdade de Rapunzel.

Para despir o nu, é preciso antes metamorfosear a visão noturna dos veados, a habilidade de enxergar com baixíssima intensidade de luz. A Noite é a preparação anciã para poder ver. A noite só é escura porque já não precisa das cores para saber o que cada coisa é e onde se encontra, como na sabedoria dos mais velhos.

Os olhos arrancados, os longos cabelos, o preto e branco, o veado e os sinais são as partes ditas neste texto, falta ainda à parte não dita.

Darlon Silva,
poeta.

Obra exposta no Teatro Gamboa Nova na exposição "EM México"