Séries de Camila Cidreira expostas em "Tanta Imensidão" 
A menina com asas sentada na relva e a leveza do corpo de uma bailarina apoiada ao cérebro, nas telas de Camila Cidreira, indicam a descida daquilo que causa a suavidade na existência. Mesmo que ainda preso ao peso do cotidiano, da razão opressora, é possível saltar do paradoxo de um cotidiano Vs. a arte de voar. O corvo rosa é a descida do sagrado ao cotidiano, que suaviza o simples olhar de uma janela em algo de extraordinário esteticamente.

O quadro em que há uma bailarina equilibrada ao cérebro é revelador ao conteúdo da obra completa. Não é possível suavizar pela razão, ou de modo afirmativo: somente se suaviza pelo delírio. O delírio é a emoção da alma, que é possuidora de asas, e, portanto capaz de voar. O corvo não tem haver exatamente com a realidade, mas com o delírio do corpo, a imaginação, que suaviza o real.

O corvo rosa é a desconstrução da imaginação/fantasia como uma perturbação patológica da alma. O corvo não é mais aquela ave fúnebre, obscuro como a treva cristã, mas agora é um pássaro rosa e companheiro inseparável de uma menina. Menina ainda encarnada a sua inocência, ou seja, o humor da criança que faz dela um ser demasiadamente imaginativo.

O corvo que ao amanhecer do dia vêm visitar a menina, ainda vestida com a roupa preta da madrugada, são idênticos, a menina ao ver o corvo se encontra na verdade consigo mesma. Imagine, qual é a primeira cor do dia? Quando o dia amanhece é um tom rosado no céu, pueril como um recém-nascido, não é assim? O corvo entontece de tanto amor na aurora e pousa em si.

Andar, voar e nadar sendo possíveis em uma mesma espécie, teria que existir um ser composto de asas, barbatana e patas. Não como utopia, mas no direito de sonhar no mundo real, na permissão de um dia-a-dia suavizado, com a tolerância do não ser para o existir. Camila Cidreira, que já têm esse sobrenome de chá, ao desenhar causa um profundo relaxamento, em um assunto que para muitos seria como ir ao enterro do amado.

Darlon Silva,
Poeta.