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O Anjos do sobrenome de Tita Anjos é, na verdade, um título adquirido. Foi ofertado merecidamente por entendimento das coisas celestes. Ganhou também um par de asas brancas, em que a noite, enquanto todos dormem, ela alça o ultimo voo da serpente emplumada. Não como sagrados pombos do dia, mas parecido com o voar das corujas, que são mesmo profanadoras da verdade do Sol.

A coruja é a sentinela da natureza. O emprego do vigia exige mesmo é rigor, não se pode dispersar de maneira alguma a noite, pois vela pelo sono de vários. Por ser um trabalho de atenção extrema é uma atividade solitária e silenciosa para nada perturbar o ver universal.

A coruja é o saber sobre as coisas em que se ignora estando em sono. É uma sabedoria de estar despertado sobre as coisas que naturalmente estão dormindo. É uma sabedoria da própria sabedoria. É o olho arregalado da coruja.

O sábio dos sábios, a coruja, conhece então dois mundos, o mundo visível e o mundo em que os demais dormem. O mundo visível se aparenta esbranquiçado e já o mundo em que os demais dormem é cheio de cores e formas de flores.

As mulheres muito se parecem com as corujas. Fala-se, por exemplo, em mamãe coruja, da mãe que vigia demasiadamente dos filhos. O amor de uma mãe pertence aos dois mundos, portanto a mulher é o meio termo do que se vê e não vê, nesse sentido mulher e coruja se igualam.

Mulher e coruja são diferentes geometricamente. A mulher é o leite que amamenta e a coruja é o leite rejeitado. A mulher é a raiz que nutre os filhos e a coruja é o voo da maioridade. Seria possível unir o paradoxo da coruja com a mulher, um autêntico híbrido?

Tita Anjos vai além do sagrado e do profano, do dia e da noite, da coruja e da mulher. Ela não anda e não voa, ela propõe estar aqui e ali ao mesmo tempo, ela propõe um paradoxo. Na calada da noite ela voa gritando presságios, incomodando o sono dos outros.

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Quando eu tinha oito anos, vi uma coruja toda branca voar gritando tão alto sobre o bairro da Coplan (é, existiam muitas corujas em Cruz das Almas) e pra mim aquilo se parecia muito mais divino do que os pombos, e minha mãe disse “Sai pra lá bicho maldito. Bicho agorento”. Eu acho que é isso que Tita quis dizer, e conseguiu lembrar momentos da minha infância. Orgulho-me muito por ela ser minha conterrânea.


Darlon Silva,
Poeta.