Obra de Tita Anjos exposta na exposição "Tanta Imensidão" no Bahvna Espaço Cultural

Mais além do vermelho sanguíneo e da tapeçaria florida pelo branco do crochê, um ser mitológico, uma parte mulher a outra pássaro, ambas criativas. Essa mulher zoomorfizada aterroriza como a Hidra de Lerma, que ao cortar uma cabeça surge assim duas, e que ao ser queimado pelo vermelho do fogo atrás, restará só a última e imortal cabeça, a da própria artista que fiou a tapeçaria.

Tita Anjos é a mulher coruja, noturna e melancólica como uma sereia. Carrega o peso do tempo em seus ombros, em uma vara flexível de bambu, que hora tende ao côncavo e ao convexo, igualmente ao cantado na voz trêmula de Bethânia. O bambu que em sua terra faz rodopiar emoções do sublime ao terror no meio do ano. Bambu que apesar de permitir o excesso e a falta, no fundo é a moderação que o tempo encarrega de ensinar aos sábios.

A coruja é a ave da sabedoria porque conhece a noite, enquanto os demais dormem, é a encarregada de fazer a vigília dos sonos. A coruja conhece o bem e o mal que se desvela com o tempo, por isso é um animal que traz tantos presságios. O conhecimento futuro seduz como uma flor ou o corpo de uma mulher, mas apenas o sábio vai conseguir ficar sereno ao ver as pernas de uma mulher e não atacá-la e ser ferido pelos espinhos.


Cada ponto do bordado é como o fuso que gira no joelho da mulher fiandeira do destino. As mulheres do Recôncavo, que herdaram o tecer cotidiano dos seus ancestrais, são todas como as Parcas gregas, possui dons muitos especiais, porque são filhas da noite. A voz inesquecível de Bethânia, cantando “a matriarca da Roma Negra” é o fundo musical desse meu olhar sobre o quadro, ou melhor, meu olhar sobre Tita Anjos.

Darlon Silva,
Poeta