carta ao desconhecido 84 (2014) - Juca Lordelo |
Com um metadiscurso sobre uma caixa de papelão, Juca Lordelo em cartas ao desconhecido 84, faz um discurso denunciando a subjetividade do indivíduo. O olhar cabisbaixo de alguém introspectivo, centrado somente em um apito em forma de pássaro alaranjado. O pássaro é uma ideia embutida, e não há nada mais ameaçador que essa ideia. Isso faz com que além da imagem o apito tenha uma res extensa na obra. O pássaro é o solipsismo, a dúvida hiperbólica que faz do homem um ser sempre sozinho.
As peças apontam a um estilhaço e nunca a um
todo formado. Esse desmembramento só se atualiza quando alguém se indaga sobre
a obra. O fato de estar sobre uma caixa, já indica um desmembramento, que
intenciona a incerteza. Recortes colados em fitas adesivas desdobram o metadiscurso
como na montagem da envoltura da embalagem. Na medida em que se indaga sobre a
obra o eu se remonta.
Ao reconciliar todas as partes, o todo da sua
presença reconhece a alteridade de modo distinto. A pena significa o peso do
que é o outro, apenas o eu pode ser dito pesado. O eu pode estar embutido na
sua mais profundidade, mas o outro enquanto outro só se revela na sua leveza de
ser. Não se leva mais nenhum fardo transcendental, a inclusão da pena tem uma
função niilista. O eu que indaga é criador da própria consciência da obra.
O pássaro é o maior símbolo associado à
consciência, não só porque voa, mas por ser também fonador. Só há consciência
de fato quando o eu nomeia, ou quando ele assim se estende ao já conhecido. E
há um paradoxo terrível nisso, o absurdo de conhecer o desconhecido. O homem só
é homem porque nomeia, no entanto quando nomeia deixa de ser, surge então o
paradoxo, que faz do homem um ser sempre sozinho.
De seu próprio interior, Juca Lordelo, apela a
um realismo epistolar de tentar se comunicar com o desconhecido. Não sendo a
primeira carta, mas a octogésima quarta, será que alcançou aquele que não
conhecemos, o tal Desconhecido?
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