Nem toda nostalgia é selecionada. 


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Perdoem-me se não sigo o hype da nostalgia de butique. Talvez seja um contrassenso, considerando a minha mente anacrônica, tanto pelos meus gostos quanto pelas minhas idéias. Acontece que a seletividade do que merece ser tomado por vintage em vez de mera velharia é demais para minha cabeça. Então o vinil é mesmo superior às mídias digitais quanto à qualidade da música? Ótimo. Agora, por que não escancarar que essa melhora no som acontece somente com o aparelho e as caixas de som adequadas? E que tudo isso, exceto para os garimpeiros incansáveis, custa um valor tão proibitivo quanto o do relançamento dos discos da Legião Urbana em vinil? Talvez os hipsters me desmintam, mas eu não me disporia a levar tais facadas financeiras nessas megastores da vida.


Implicância com essa tribo? Nada. É que não vejo tanta boa vontade assim com outro símbolo de tempos mais arcaicos, quando as poucas informações obtidas em revistas especializadas em cinema e nos livros à mão faziam a cabeça dos cinéfilos, num tempo pré-pré-IMDb. Sim, falo da fita de vídeo. O famigerado VHS, já que o Betamax não durou o bastante para emplacar. Um retângulo de plástico, geralmente preto (algumas da Abril Vídeo costumavam ser verdes), com dois pedaços transparentes por onde se via a fita propriamente dita, permitindo saber em que posição havia sido deixada pelo seu último usuário. Dotada de uma abertura superior que protegia a fita a ser rodada pelo videocassete, vinha cheia de etiquetas e selos, a fim de identificar, se fosse o caso, a locadora de onde fora tirada. O mercado de compra de filmes em fita, ao menos para quem morava fora das grandes capitais, era algo restrito a grandes lançamentos. A chegada de “O Rei Leão” em VHS, por exemplo, foi um dos raros casos em que presenciei fitas de vídeo vendidas quase tão banalmente quanto DVDs em hipermercados e bancas de jornal atualmente. 

Quando ainda havia rigor no tal “tempo de janela” que um filme leva para passar nos cinemas, nas locadoras, nas emissoras por assinatura e nos canais abertos, era por meio do VHS que os cinéfilos se satisfaziam quando algum filme muito aguardado não chegava à grande tela. Quando adolescente, começando a perceber o cinema como algo mais do que mero entretenimento, acompanhava as datas em que certos filmes estariam disponíveis para locação. E sempre aproveitava para levar várias fitas por conta de promoções, uma forma de fazer circular os filmes sob o signo do “catálogo”, desde então preteridos pela maioria dos clientes, teleguiados pelos lançamentos e praticamente apenas por eles.

A popularização da televisão por assinatura me afastou um pouco do prazer de fuçar as prateleiras das locadoras. Não apenas pela praticidade, mas também pela oferta de filmes que nem mesmo em VHS haviam sido lançados no Brasil. Tempos em que o Eurochannel era um canal digno de nota, com seus ciclos dedicados a grandes diretores (graças a eles, pude conhecer Marco Ferreri e Robert Bresson, por exemplo) e não havia essa obsessão pelas preguiçosas dublagens na tevê paga atual. Mesmo assim, mantive-me fiel às fitas, voltando-me a locadoras com acervos maiores e diversificados. Nada de Blockbuster, com seus preços escorchantes, é bom esclarecer.

Naqueles tempos, já começava o advento do DVD. Por minha resistência ao novo, não me empolguei com as suas vantagens, embora todos dissessem o quanto imagem e som ficavam melhores do que nas desmagnetizáveis VHS. Além de acabar com um incômodo para muitos clientes, dentre os quais não me incluo: a rebobinação de fitas. Havia, em algumas locadoras, uma taxa a ser cobrada por quem não cumprisse tal tarefa. A qual, em certos aparelhos, demandava apenas deixar a fita rodando até o final, que o próprio videocassete fazia o serviço. Para os donos das locadoras, a economia de espaço parecia um atrativo para aderir a essa inovação. Ainda demorariam alguns anos até que os aparelhos para reproduzir DVD custassem um preço acessível à maioria. Aos poucos, as distribuidoras, a fim de explorar ao máximo a obsolência anunciada do VHS, começaram a relançar seu acervo no novo formato e a lançar títulos então inéditos em vídeo.

Até o barateamento dos reprodutores de DVD, eu continuava nas fitas, inclusive para formar minha então incipiente videoteca, nutrida pelos saldões ocasionais de filmes em VHS de grandes distribuidoras. Porém, aos poucos, DVD virou carne de vaca. Em alguns casos, quase literalmente. Até supermercados começavam a contar com seções próprias para esses produtos. Os videocassetes rareavam nas lojas. Os clientes das locadoras desprezavam estoques inteiros de filmes apenas por conta do formato antigo. A saída, para os comerciantes do ramo, estava na venda desse montante de fitas. 

 Começou aí minha felicidade. E minha agonia.

Destaque
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Tanta coisa boa das locadoras da cidade toda a preços cada vez mais baixos me fez sair, vez ou outra, com caixas inteiras de fitas sobre a cabeça. E isso porque não pude explorar certas locadoras o bastante, pois fecharam em efeito dominó. Acontece que a facilidade para baixar filmes pela Internet, além de suplantar o impacto dos DVDs piratas, tanto beneficiou os cinéfilos ao permitir o acesso a filmes até então inéditos por aqui (embora a maioria baixe apenas filmes arrasa-quarteirão para se exibirem aos outros) quanto ferrou de vez com um modelo de negócio que, com a derrocada das salas de cinema de rua e o advento dos multiplexes careiros, fez mais de uma geração de cinéfilos mundo afora. Quentin Tarantino dificilmente seria alguma coisa na vida sem esse conhecimento proporcionado pelas prateleiras.

E o VHS decaiu rápido demais. Nisso, cabe a observação que ouvi de uma senhora, cujo filho era dono de uma locadora, a apontar o lado negativo da adesão maciça ao DVD. Segundo ela, o máximo que acontecia às fitas de vídeo era o acúmulo de poeira e mofo ou, mais raramente, a sua desmagnetização. Além de haver maior certeza quanto à legitimidade da sua procedência. Com o DVD, além da facilidade de ser pirateado, os clientes confundiam os discos prateados com suporte para copo de café. Isso quando não engorduravam ou riscavam o produto, ainda mais quando se tratavam de filmes infantis. A necessidade de repor certos títulos era constante. Para piorar, as distribuidoras, que já vendiam os lançamentos em VHS para os donos de locadoras a preços indecentes, aproveitando a obsessão da clientela pelo novo, faziam pior com o DVD.  
Não preciso concordar com essa opinião para constatar o melancólico final de carreira para as fitas de vídeo. Eu mesmo, após entupir prateleiras com as sobras dos estoques de locadoras hoje apenas uma lembrança na memória de quem ainda se importa com o passado, não consigo assistir a tantos filmes nesse formato como antigamente, por falta de tempo. E me sinto em dívida por conta das tantas boas lembranças em frente a um videocassete.

Apesar de tudo, há quem realmente sinta falta do VHS. Alguns poucos chegam a desprezar o DVD em favor das fitas. Ainda há quem venda certos títulos nesse formato por conta da sua raridade ou simbolismo. No entanto, ao contrário do vinil, não há disposição desse povo metido a cult em tratar o VHS como o objeto de culto que merecia ser.

Tudo bem que o filme “Rebobine, Por Favor” ajudou a diminuir essa injustiça. Mas comparado à devoção quase carola para com o vinil em “Alta Fidelidade” ou “Durval Discos”, o VHS parece tão relevante à cultura pop quanto o cilindro de cera dos tempos pré-78 rotações. 

Hoje estou voltado praticamente apenas para o DVD. Porém, mesmo com os avanços tecnológicos que ele apresenta quando comparado ao VHS, somente há algum tempo comecei a me empolgar com o tal Blu-Ray. Talvez já a ponto de investir nele. Admito que custei a perceber a necessidade de partir para outra novidade tão cedo. E torci para que as grandes distribuidoras não chegassem a um acordo sobre a nova invenção para ferrar de vez com o mercado de home vídeo, nestes tempos de morte ao suporte físico e de arquivos na nuvem. Não obstante, alguns lançamentos recentes em Blu-Ray e o conhecimento sobre o assunto apresentado por pessoas altamente gabaritadas vêm derrubando minhas últimas resistências a essa nova mídia. Apenas me espanto com a velocidade com que o DVD está sendo posto de lado, haja vista a redução crescente do espaço com que contava no comércio varejista. Não sofrerá o mesmo descarte inglório do VHS, pelo menos. Mas representará o sintoma duma sociedade onde os cools tiram onda com seus Moleskines (ao menos os que apenas os ostentam em vez de usá-los), entopem o Instagram com fotos pretensamente artísticas, twittam e compartilham no Facebook a esmo e contam com a discografia completa dos Los Hermanos em vinil. Enquanto isso, os aficcionados em VHS seguem vistos com a mesma condescendência dos acumuladores obsessivos.

O meu consolo é que todos nós nos tornaremos obsoletos um dia. E quando os viciados na next big thingse tornarem caquéticos, um som de rebobinamento de fita no videocassete soará. E rirei por penúltimo.
 
André LDC,
Equipe Lumi7.
Publicado originalmente em: http://www.lumi7.com.br/100-nada-locadora/ 

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