Um homem caminha pela rua, tranquilamente, e entra em um estabelecimento. Inicialmente, percorre alguns corredores como se procurasse algo, até que, em um estreito corredor, retira da roupa uma arma e atira em outro homem de meia-idade que se encontrava em uma das salas. A cena termina, sem diálogos. Assim, começa o filme Elephant de Alan Clarke. 

Se inicialmente tentamos construir uma linha racional para a ação, isto é, uma causa ou explicação para o assassinato cometido pela primeira personagem, é com a repetição do mesmo ato nas próximas cenas, seguindo até o final do filme com a mesma lógica, que percebemos o que Alan Clarke põe em causa: o ato como resultado. É deste modo que as sequências que formam o filme fogem de qualquer forma de interpretação canônica. A narrativa nega o próprio sistema de narrativa clássica – de contexto/personagens, protagonista/antagonista, causa/consequência, objetivo/conclusão. E é através desta negação da lógica, que estas pequenas cenas restituem a verdade do ato apenas enquanto ato. Aparentemente, a única preocupação de Clarke é a violência enquanto ato. Não apenas porque oferece uma repetição dos atos até tornarem corriqueiros, mas pela própria falta de narrativa, características e diálogos entre as personagens. 
Chamo atenção para a terceira cena, seja porque nela, em questão do tempo linear do filme, o argumento de Clarke começa a torna-se claro para o espectador, como também pela forma em que ocorre o disparo da arma do assassinato que marca a cena – sendo que esta forma irá se repetir ao longo do filme em outros casos. 

A cena segue em dois tons principais, em azul e vermelho. Clarke utiliza uma forma recorrente no mundo das artes para tratar desta cena, a lei do contraste simultâneo das cores pela temperatura. Assim, o vermelho e o azul vão desempenhar um importante papel entre a tensão do gesto (vermelho, cor quente) e a frieza das personagens diante do crime (azul, cor fria). Analisando as cores enquanto objetos cênicos, o próprio figurino das personagens segue nas variações dessas duas cores. O sangue do morto torna-se ainda mais destacado enquanto no contraste do casaco azul. 

A cena começa com um homem que acaba de estacionar seu carro em um galpão antigo e vazio, vamos o seguindo, com um único travelling desde a chegada do carro (que tem o mesmo tom azul do seu casaco, em contraste às paredes do estacionamento, que tem a mesma cor da sua calça) até estacioná-lo e seguir normalmente, depois passamos a vê-lo por trás e cada vez mais distante, logo somos surpreendidos por um homem que surge do lado direito da cena, entre o espectador voyeur (câmara) e o primeiro homem, disparando um tiro fatal nas costas do primeiro homem, sem que ele veja. Em seguida, aparece um plano maior da arma, e logo mais um disparo. Até o final da cena acontecem cinco disparos sobre o corpo já morto, enquanto a câmera gira ao redor do corpo no chão em um plano picado. E acompanhamos, com um travelling, o assassino, que parece agir normalmente, até ele abandonar o estacionamento e atravessar uma rua pouco movimentada, fazendo o caminho inverso do carro do primeiro homem. Depois, por alguns segundos em um único plano geral sem movimentos de câmara, vemos o corpo da vítima de bruços sob o grande estabelecimento deteriorado. 

A repetição dos disparos pelo assassino desta cena parece, em linhas gerais, resumir todo o contexto do filme. O primeiro disparo – já fatal – justifica-se pela vontade de matar, o segundo, talvez, por uma confirmação, mas é a partir do terceiro disparo que o ato já passa para o irracional, pela própria crueza do ato. Revelando a agressividade de um ato, que por si só já é violento. Se nos indagamos o porquê dos cinco disparos, do mesmo modo nos perguntamos sobre o porquê das 20 mortes sem justificativas que formam o Elephant.

Juca Lordello