Conheci o trabalho de Victor Erice através do brilhante filme El Sol del Membrillo (no Brasil com o título Sonho de Luz), ótimo trabalho, que conta a trajetória do pintor espanhol Antonio López García na tentativa de pintar um marmeleiro, em busca da luz e efeitos do tempo. O filme trabalha, além de tudo, o processo criativo de uma obra de arte.
Erice é espanhol e seu trabalho foi bem recebido pela crítica, sua obra é marcada por uma forte linguagem poética da imagem.



Em Alumbramiento, o assunto principal da trama parece concentra-se no recém-nascido. Ainda em uma tela negra inicial escrita Lifeline, escutamos o seu choro. Logo, em um plano maior, vemos o bebê dormir, seguindo, o plano de uma mulher que aparenta ser sua mãe. Esta confirmação vem logo em sequência, com um plano de uma imagem de uma santa que carrega em seus braços o seu filho – este plano torna-se emblemático quando em meados do curta, o choro do filho é logo cessado com o conforto da mão da mãe. A ligação entre mãe e filho é um tema recorrente ao longo do curta-metragem, além da clara ligação do cordão umbilical do recém-nascido, e de um plano em que a mãe cerra os punhos enquanto divide simbolicamente o sofrimento do filho.
Após mais um plano do bebê, há um plano em que aparece uma mancha de sangue se formando no lençol. Com uma curiosa sobreposição de planos – que o realizador utiliza ao longo do filme para fazer a transição entre alguns planos, o sangue do lençol dá espaço ao desenho de um círculo em um braço. Na simbologia das formas, o círculo corresponde ao ponto e ao ovo, e são entendidos como símbolo da união, perfeição, do nascimento e início do Universo. O círculo, associado à roda, ainda refere-se ao movimento, ao tempo e a todos os movimentos cíclicos. Em vários planos ao longo do curta-metragem, o círculo parece dominar a cena, seja no pêndulo do relógio, no bordado na máquina de costura, na pia, na massa culinária... No desenho de um relógio que uma criança faz em seu pulso. Assim, o círculo vai recebendo os números, os ponteiros, até que a criança leva-o ao ouvido a fim de ouvir o barulho do relógio.
Neste movimento, a criança que tenta ouvir o tempo, parece fazer um retrato do tempo que passa ao seu redor. Com um recorte de áudio, ouvimos o pêndulo do relógio de uma sala, onde um homem repousa no sofá e o outro joga paciência, um popular jogo de cartas, logo uma galeria de fotos na parede da sala. Outra vez, ainda com o pulso próximo ao ouvido, o barulho imaginário do relógio na verdade é de uma ferramenta de trabalho rural de um homem. Logo um retrato do efeito do tempo no espaço exterior: os homens em seus trabalhos de movimentos contínuos, as mulheres nas atividades domésticas, uma criança sentada em um balanço, o cachorro fatigado tenta dormir sob uma sombra, algumas crianças brincam em um carro parado – chamo a atenção também desta cena, onde as crianças brincam com a velocidade do carro. A velocidade relaciona o tempo em relação ao movimento no espaço, contudo, eles continuam parados, apenas o tempo continua a passar... Todos seguem sua rotina.
Até que um grito vindo do interior da casa parece chamar atenção de todos. Uma parteira tradicional começa a tratar do sangramento do bebê. Enquanto ela faz um curativo no cordão umbilical do recém-nascido, todos assistem a criança chorando pela dor. Após, o bebê é entregue a sua mãe, o choro é cessado. A mãe começa a cantar uma canção tranquilizadora, enquanto tudo volta ao seu estado normal (ou inicial).
De um plano do pêndulo até o outro, o relógio em cena marca a passagem de dez minutos. A nossa percepção de tempo varia. No curta-metragem, a passagem dos dez minutos equivalem aproximadamente a 6 minutos, quase metade do tempo «real». Para cada personagem o tempo parece agir de forma diferente – quantos minutos passaram do choro da criança até receber o conforto materno? O menino apaga o relógio de seu braço e fecha uma pequena porta em um sótão. Longe do tempo, em seus pequenos mundos interiores, um ciclo se fecha para um novo que se abre. A roupa do recém-nascido é lavada, os trabalhadores retomam seus trabalhos diários, a menina no balanço toma um pouco de impulso, o cachorro ainda descansa, as fotografias permanecem estáticas na parede, o pêndulo do relógio parece nunca parar... O jornal, de um tempo passado, agora serve como apoio na mesa da cozinha, enquanto se desbota com o efeito da água. Mas o que fica no tempo depois que os jornais vão ao lixo?
O curta-metragem de Victor Erice termina com uma cena bem emblemática; a folha de um jornal com apenas uma data, 28 de Junho de 1940.